Saudade tem plural?
Por mais que me apeteçam as regras, preciso enfiar o rabo entre as
pernas e aceitar que sim, a palavra saudade tem plural. (Cíntia Chagas)

Será que eu não poderia dizer que tenho várias saudades?

Do cheiro da infância, da minha avó, do sabor do pão na frigideira? Em uma perspectiva ortodoxa, saudade não teria plural, já que substantivos designadores de sentimentos não podem sofrer flexão de número exatamente por não serem contáveis. É por isso, então, que não se ouvem frases como “Tenho muitas raivas de você.”, com a palavra raiva no plural.

Todavia, por mais que me apeteçam as regras, o canônico, a tradição, preciso enfiar o rabo entre as pernas e aceitar que sim, que a palavra saudade tem plural.

Tomemos como exemplo o caso de pêsame, cujo plural ninguém questiona. Não lhe é natural dizer “Meus pêsames”? Pois então. Pêsame também designa sentimento, mas não suscita dúvidas. E o que falar do termo parabéns, que também exprime sentimento? Deveríamos dizer, então, parabém a você? Ora… A maior parte das pessoas cultas que conheço nem sabem que 'parabéns' é plural de 'parabém'.

Voltando à vaca fria, será que eu não poderia mesmo dizer que tenho várias saudades? Do cheiro da infância, da comida da minha mãe, dos bons carnavais, das pescarias com meu pai, do sabor da carne de lata... Eu não acabei de enumerar cinco? Pois então… Na verdade, essa polêmica linguística tem mais a ver com o gosto do reclamante do que com a regra em si, de cuja solidez qualquer um pode duvidar.

Bem, não posso ensinar que saudade não tem plural... Mas, posso salientar que a forma tradicional sempre será mais elegante. Por isso, no meu vocabulário, saudade permanecerá como substantivo singular e ponto. É que a regra, leitor, nem sempre precisa morrer na saudade.

E por falar em saudade, eu não digo que tenho “saudades” de algumas regras abolidas na última Reforma Ortográfica, da Academia Brasileira de Letras (2009), mas confesso que sinto muita, mas “muita saudade” do nosso amigo 'trema' que faz muita falta, na linGUIça, no pinGUIm . . . Sinto muito!

E quanto ao futuro da nossa gramática? - Que prevaleça a ética e o respeito. Que nossa sociedade se una culturalmente não permitindo que a norma culta passe a ficar na saudade. Todos sabemos que qualquer língua pode sofrer mudanças com o passar do tempo, mas não por decreto, por imposição. Pensemos nisto!

Texto adaptado de Cíntia Chagas