O SOTAQUE DAS MINEIRA
Felipe Peixoto Braga Netto

A crônica abaixo foi extraída e adaptada do livro
“As coisas simpáticas da vida”
Landy Editora, São Paulo (SP) - 2005.

O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar. Afinal, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar sensual das moças de Minas ficaria de fora?

Porque, Deus, que sotaque! Ouvir uma Mineira faz bem à saúde. Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: ''só isso?" Assino, achando ainda que ela me faz um favor.

Eu sou suspeitíssimo. Confesso: essa maneira de falar me desarma. Certa vez quase propus casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque.

A mineirada tem um ódio mortal das palavras completas. Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho. Não dizem: pode parar, dizem: 'pó pará'. Não dizem: onde eu estou?, dizem: "Ondé quieu tô".

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem, linguisticamente falando, apenas de uais, trens, sôs e coisas mais. Digo-lhes que não. Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade. Fala que ele é bom de serviço. Pouco importa que seja um juiz, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô. Se der no couro, metaforicamente falando, claro, ele é 'bom de serviço'. Faz sentido...

Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: 'cê tá boa?' Para mim, isso é pleonasmo. Elas estão sempre bem.

Há outras. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada. Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: - 'Mexe com isso não, sô!'. (leia-se: Sai dessa, é fria rapaiz!).

O verbo 'mexer', para os mineiros, tem os mais amplos significados. Quer dizer, por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido. Querem saber o seu ofício.

Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém consegue nada: 'Você não dá conta'. Socê (se você) acha que não vai chegar a tempo, então liga e diz:
– Aqui! Não vou dar conta de chegar na hora não, sô.

Esse 'aqui' é outra riqueza cultural que só tem aqui em Minas. É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase, com uma pausa logo em seguida. O termo é mais usado, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer 'Olá, me escutem, por favor'. É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.

Mineiras não dizem 'apaixonado por'. Dizem, sabe-se lá por que, 'apaixonado com'. Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a toda hora: 'Ah, eu apaixonei com ele...'. Ou: 'Sou doida com ele'. (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro).

Eu preciso avisar à Língua Portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a Mineira. Nada pessoal. Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas.

Por exemplo: em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer: - 'Eu preciso de ir lá...'. Onde será que os mineiros arrumaram esse 'de', aí no meio? Uma boa pergunta... Só não me perguntem! Mas, que ele existe, existe. Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório.

No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra 'um tanto de coisa'. O supermercado não estará lotado, ele terá um 'tanto de gente'. Se a fila do caixa não anda, é porque está 'agarrando' lá na frente. Entendeu? Agarrar é agarrar, ora! Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará: - Ai, gente, que dó!

É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras... Não vem caçar confusão pro meu lado! Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro 'caça confusão'. Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele 'vive caçando confusão'.

Ah, e tem o 'Capaiz...'. Se você propõe algo a uma mineira, ela diz: 'Capaiz!'. Vocês já ouviram esse 'capaiz'? É lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer 'Cê acha que eu faço isso?'com algumas toneladas de ironia. Se você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: 'Ô dó docê'. Entendeu? Não? Deixa para lá.

Preciso confessar algo: minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras. Aliás, deslizes nada. Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão.
Se você, em conversa, falar: 'Ah, fui lá comprar umas coisas...'

– Qui's coisa? –ela retrucará. O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o 'que'!

Ouvi de uma menina culta um 'pelas metade' no lugar de 'pela metade'. E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará: - Ele pôs a culpa 'ni mim'.

Até o tchau, em Minas, é personalizado. Ninguém diz 'Tchau', simplesmente. Aqui se diz: 'Tchau procê' ou 'Tchau procêis'. É útil deixar claro o destinatário do 'Tchau'.

A fórmula mineira é bem sintética. E diz tudo.

Adaptação – Francisco Teodoro