Frequentemente ouvimos alguém dizendo: “Agora a coisa ficou preta”; “Que coisa espetacular!”. COISA é uma palavra sensacional; substitui qualquer coisa e não diz coisa alguma. É a palavra de sentido mais amplo que conheço. Faltou sinônimo, lá vai a coisa... Portanto, é inadequado o uso da palavra coisa em textos mais cuidados e formais. Isso caracteriza pobreza vocabular e torna a frase muito imprecisa.
Coisa é uma palavra tão versátil que até já virou verbo. Verdade. Está registrado no dicionário: coisar, descoisar e coisificar. Coisa é um substantivo, mas é capaz de ser usado no grau superlativo absoluto sintético, como se fosse adjetivo. Na boca dos exagerados, “coisa nenhuma” vira “coisíssima”.
A palavra coisa tem mil e uma utilidades. Ironicamente é como o Bom Bril. É aquele tipo de termo-muleta ao qual recorremos sempre que nos faltam palavras para exprimir uma ideia. Coisa não tem sexo; pode ser masculino ou feminino. Coisa-ruim é o capeta. Coisa boa é a Gisele Bundchen. Nunca vi coisa assim. Coisa de cinema.
Na literatura, “coisa” é coisa antiga. Antiga, mas modernista: Oswald de Andrade escreveu a crônica 'O Coisa' em 1943. “A Coisa” é título de romance de Stephen King. Simone de Beauvoir escreveu “A Força das Coisas” e Michel Foucault, “As Palavras e as Coisas”.
Mas, 'a coisa' tem história também na MPB: “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça (...)”. A Garota de Ipanema era coisa de fechar o Rio de Janeiro. Coisas de Jobim e Vinicius; eles sabiam das coisas. Para Maria Bethânia, o diminutivo de coisa é uma questão de quantidade (afinal, “são tantas coisinhas miúdas...”). Já para Beth Carvalho, é de carinho e intensidade (“ô coisinha, tão bonitinha do pai...”). Caetano também tem dessas coisas, coisa de louco: “Alguma coisa acontece no meu coração...”.
No 2.º Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, estava na letra das duas vencedoras: Disparada, de Geraldo Vandré: “Prepare seu coração / Pras coisas que eu vou contar...” e A Banda, de Chico Buarque: “...pra ver a banda passar / Cantando coisas de amor”. Naquele ano do festival, no entanto, a coisa estava preta na política e a turma da Jovem Guarda, nem aí com as coisas: “Coisa linda / Coisa que eu adoro...”. Mas, “deixemos de coisa, cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida...”, canta Fagner em Canteiros, baseada no poema Marcha, de Cecília Meireles, “uma coisa linda”.
Por estas e outras, é preciso colocar cada coisa no devido lugar. Façamos uma reflexão: Se as pessoas foram feitas para serem amadas e as coisas, para serem usadas, por que então amamos tanto as coisas e usamos tanto as pessoas? Bote uma coisa na cabeça: as melhores coisas da vida não são coisas. Há coisas que o dinheiro não compra: paz, saúde, alegria e muitas outras coisas. Portanto, faça a coisa certa e não esqueça o grande mandamento: “Amar a DEUS sobre todas as coisas”. Entendeu o espírito da coisa?
Esta análise me faz lembrar a história de um fiscal da carteira hipotecária de um grande banco no interior do Paraná. Certo fazendeiro fez um empréstimo no banco, hipotecou a fazenda e, um mês depois morreu. O gerente do banco, preocupado, mandou o fiscal à fazenda. Lá chegando, ficou feliz ao ver que tudo corria bem. A viúva, muito esperta, estava feliz com o dinheiro investido que já trazia lucros. Com isso o pagamento da hipoteca estava garantido. Ao retornar à cidade, o fiscal não teve dúvida e escreveu no relatório: “O fazendeiro morreu, mas o banco pode ficar tranquilo. A viúva disse que o marido não está fazendo falta; ela mantém 'a coisa' em pleno funcionamento”. Lá sabe Deus que coisa é essa!? |